Advogada Andréia Ana Paula da Silva (OAB/SC 47.299) –
Há alguns meses publiquei artigo sobre o tema teletrabalho, abordando sua origem, conceito, a recente regulamentação advinda da lei 13467/17, e uma primeira impressão dos problemas e divergências que poderíamos passar a enfrentar no judiciário.
Poucas semanas atrás em virtude da nova realidade vivenciada pelo enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do novo coronavírus, a espécie do gênero “trabalho a distância”, como é identificado o teletrabalho e dentro deste, a modalidade mais conhecida no Brasil, o popularmente nomeado – home office (trabalho a domicílio ou escritório em casa), ganhou grande destaque e atenção, pela forçada necessidade de aplicação.
A necessidade pegou a todos de surpresa e embora o Home office não se trate de nenhuma novidade, um número pequeno de empresas tem afinidade com a modalidade. Muitas foram as dúvidas que surgiram de como deveria ser realizada essa emergencial transição.
Pensando em como a experiência pode vir a afetar empresários e trabalhadores não somente de forma imediata, mas futuramente, resolvi novamente escrever sobre o tema, desta vez abordando especificamente a desburocratização trazida pelo Art. 4º da MP 927, de 22 de março de 2020.
“Art. 4º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.
- 1º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância a prestação de serviços preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação que, por sua natureza, não configurem trabalho externo, aplicável o disposto no inciso III do caput do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.
- 2º A alteração de que trata o caput será notificada ao empregado com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas, por escrito ou por meio eletrônico.
- 3º As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado serão previstas em contrato escrito, firmado previamente ou no prazo de trinta dias, contado da data da mudança do regime de trabalho.
- 4º Na hipótese de o empregado não possuir os equipamentos tecnológicos e a infraestrutura necessária e adequada à prestação do teletrabalho, do trabalho remoto ou do trabalho a distância:
I – o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e pagar por serviços de infraestrutura, que não caracterizarão verba de natureza salarial; ou
II – na impossibilidade do oferecimento do regime de comodato de que trata o inciso I, o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador.
- 5º O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.
Art. 5º Fica permitida a adoção do regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância para estagiários e aprendizes, nos termos do disposto neste Capítulo.”
Seguindo os destaques, verificamos que a primeira parte do texto do caput estabelece que as disposições da Medida Provisória tem validade somente para o período de enfrentamento do o estado de calamidade pública, pelo que em eventual caso de elastecimento ou adoção da medida como permanente, é preciso atentar-se ao que dispõe a CLT, Arts. 75 – A ao E.
Ainda no caput do artigo verifica-se a dispensa da exigência consignada no Art. 75 C, da formalização de contrato individual de trabalho que contenha expressa previsão da modalidade. O §1º remonta e complementa ao conceito disposto pelo Art. 75 B, e o §3º adicionou a previsão de prazo ao texto do Art. 75 D.
As inovações ficaram por conta dos parágrafos 2º, 4º, 5º e do Art. 5º, que tratam respectivamente do prazo mínimo de 48 horas de antecedência para a notificação dos empregados da alteração na forma de prestação de serviços, sendo dispensada a formalização de aditivo contratual; o fornecimento dos equipamentos e adequação a infraestrutura necessária, e as opções do empregador neste caso; a não configuração de tempo à disposição, regime de prontidão ou sobreaviso pelo uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal pelo empregado, e a possibilidade/autorização da extensão da modalidade de prestação de serviço aos estagiários e aprendizes.
Assim, por força das novas disposições, a adoção do teletrabalho se tornou ato unilateral do empregador, desde que a atividade da empresa permita esse tipo de prestação de serviço e haja notificação dos empregados pela via escrita ou por e-mail dentro de um prazo mínimo de 48 horas.
Realizada a análise do texto, uma das primeiras dúvidas é como identificar qual seria a duração obrigatória para a adoção do home office?
A ocorrência do estado de calamidade pública foi reconhecida pelo Decreto Legislativo nº 6 de 2020, aprovado pelo Congresso Nacional e produzirá efeitos até 31 de dezembro de 2020. Não obstante, o ato que determinou o isolamento social e adotou o regime de quarentena teve como base a Lei Federal n. 13.979/20, e partiram dos governadores dos Estados, realizados também por meio de Decretos.
Em Santa Catarina a suspensão de atividades e serviços se deram até o momento por meio dos Decretos 525, 535, 550 e 554, do ano de 2020.
Portanto, o período de obrigatoriedade varia de acordo com a natureza das atividades, prestação de serviços e entre os Estados, uma vez que Estados e Municípios no uso das atribuições privativas podem legislar sobre as formas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente do coronavírus.
Contudo, inclino-me ao entendimento, e recomendo observar que ainda que eventual Decreto municipal que contrarie Decreto estadual venha a ser benéfico a alguns empresários em virtude de liberação de atividades e serviços, havendo conflitos entre as decisões, devem prevalecer as regras estaduais sobre as municipais, propondo-se assim, maior alcance dos fatos da esfera estadual que buscam atribuir tratamento uniforme às medidas restritivas.
Outra importante dúvida, é o que se pode ser exigido do empregado neste período?
As orientações sobre a jornada de trabalho por exemplo, devem ser mantidas as mesmas do trabalho presencial, pois esse regime está sendo adotado de modo excepcional/emergencial. O mesmo vale para os intervalos que são de direito dos empregados.
Destaca-se no entanto que aplicável o disposto no inciso III do caput do art. 62 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943., ou seja, estão desobrigados do controle de jornada os empregados sob regime de home office e não fazem jus ao recebimento de horas extras, conforme parte final do §1º do Art. 4º da Medida Provisória sob análise.
Ao empregado, em caso de eventual impossibilidade de realizar as atividades, por motivo de doença, as orientações também se mantêm. Ou seja, deverá permanecer afastado, justificando sua ausência com atestados ou laudos médicos para o abono das faltas.
Ao empregador, a responsabilidade pelo pagamento dos primeiros 15 dias de atestado, cabendo a Previdência Social o pagamento de benefício de auxílio doença pelo período excedente. Em caso de doença profissional ou acidente de trabalho, o empregado receberá o benefício de auxílio doença acidentário da Previdência Social, devendo o empregador realizar a emissão da CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho).
Lembrando que mesmo que o empregado trabalhe em sua própria residência, a legislação determina que o empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho (Art. 75- E, CLT).
As implicações da (in)responsabilidade do empregador sob as condições de trabalho do empregado somente poderão ser minimizadas ou até descartadas mediante comprovação de que todas as medidas previstas em lei foram tomadas, a tempo e modo, pelo que se ressalta a importância do diálogo, colaboração e redobrada atenção neste período em que há uma certa insegurança jurídica e dos desdobramentos futuro para todos.
O teletrabalho trata-se de apenas uma das opções oferecidas ao empregador para o período de enfrentamento da situação emergencial, cabendo a cada empresário avaliar, diante da realidade da sua empresa, quais as melhores medidas a serem tomadas, considerando a normatização aplicável.