Advogado Vinícius Uberti Pellizzaro (OAB/SC 36.859) –
Contemporaneamente vem se observando uma maior utilização dos institutos da fiança e do aval, de modo a preservar e garantir contratações financeiras, por vezes contando o mesmo instrumento com vários garantidores.
Nessa linha de se obter um maior número de responsáveis pela dívida, e possivelmente para agilizar a contratação, as instituições financeiras vem exigindo na subscrição do instrumento apenas a assinatura de um sócio-administrador, até mesmo porque, via de regra, todos os administradores contam com os poderes necessários para movimentações em nome da pessoa jurídica, isoladamente.
Ocorre, todavia, que a assunção de responsabilidade por fiança ou aval poderá ser ineficaz se o contrato social exigir expressamente maiores formalidades para referido ato, como por exemplo a anuência expressa de todos os sócios da empresa, muitas vezes por meio de reunião de quotistas. Entretanto, não raramente os sócios desconhecem os limites do exercício do sócio-administrador, e acabam não questionando eventuais responsabilidades assumidas em excesso.
Nesta senda, o Art. 47, do Código Civil, dispõe que a pessoa jurídica está vinculada apenas aos atos dos administradores exercidos nos limites de seus poderes previsto no ato constitutivo. Logo, se há restrição ou forma que não foi respeitada, haver-se-á excesso de mandado do sócio-administrador – agiu sem poderes para tanto, o que não vincula a pessoa jurídica – não é obrigada a respeitar o ato.
Entrelaçado está o Par. Único, do Art. 1.015, do Código Civil, que prevê o excesso por parte do sócio-administrador defronte a terceiros. E assim especifica que em ocorrendo pelo menos uma das hipóteses constantes dos incisos desta disposição, estar-se-á o excesso do sócio-administrador perfeitamente oponível ao terceiro.
E no caso de uma assunção de responsabilidade por fiança ou aval, sem a ciência dos demais sócios, quando assim exige o contrato social, não se vê configurada apenas uma das hipóteses, mas todas as três previstas. Pois vejam os incisos mencionados:
I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade”. Basta a restrição constar no contrato social;
“II – provando-se que era conhecida do terceiro”. O contrato social sempre é solicitado pelo Credor para a prestação de garantia, o que parece suficiente para a demonstração de sua ciência – existem precedentes que firmam que a ciência do Credor em casos como o presente é inclusive presumida, mas, ainda que tal assertiva não baste, o Contrato Social é documento de acesso público nos órgãos competentes;
“III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade”. Salvo operadoras de crédito, a prestação de aval ou fiança possivelmente corresponderá a operação estranha aos negócios da empresa.
Parece claro, portanto, que havendo previsão expressa no contrato social, que faz lei entre os sócios e a pessoa jurídica, todos os requisitos exigidos no instrumento deverão ser respeitados para a prestação de garantia (aval ou fiança), sob pena de não surtir efeito para a empresa e perante terceiros.
E os problemas surgem quando o devedor principal deixa de arcar com a sua responsabilidade, recaindo, consequentemente, a dívida sobre os garantidores, seja por meio da inclusão nos órgãos de restrição ao crédito ou diretamente com ações judiciais. E o que fazer quando um sócio-administrador assume fiança ou aval em nome da empresa mesmo havendo formalidades para tal procedimento que não foram cumpridas, como por exemplo a anuência expressa de todos os sócios?
Se a pessoa jurídica foi ou está na iminência de ser negativada nos órgãos de restrição ao crédito, é viável a propositura de uma ação buscando a declaração de nulidade do aval/fiança prestado, que poderá incialmente ser apresentada na forma de Tutela Provisória de Urgência em caráter Antecedente (para fins de obstar a negativação), onde se demonstrará e comprovará o excesso do sócio-administrador e o preenchimento dos requisitos previstos no Art. 1.015, Par. Único, do Código Civil.
De outra ponta, se a pessoa jurídica for demandada em processo judicial em razão da garantia prestada, parece razoável arguir a nulidade ou ineficácia do aval/fiança como matéria de defesa.
Além de agir após surgido o conflito, indica-se como extremamente pertinente que as empresas se utilizem de maior cautela para a prestação de garantias, até para se resguardar de atos tomados em impulso por algum dos sócios. Basta, para tanto, prever maior rigor no contrato social para a realização de atos que possam trazer responsabilidades relevantes em desfavor da pessoa jurídica, como por exemplo a realização de empréstimos, a compra de bens, a assunção de responsabilidade por fiança ou aval, dentre outras, tudo a resguardar o poderio financeiro da empresa e mitigar as possibilidades de ser surpreendida.