Advogada Patrícia Machado dos Santos – OAB/SC 33.854 –
O objetivo do seguro é cobrir o risco contratado, em decorrência de sinistro. Nesse sentir, em contrapartida, incumbe ao segurado arcar com o pagamento do valor do prêmio.
O Art. 763 do Código Civil dispõe que: “Não terá direito a indenização o segurado que estiver em mora no pagamento do prêmio, se ocorrer o sinistro antes de sua purgação”.
Além disso, o Art. 757[1] do Código Civil prevê sobre a obrigação da seguradora em indenizar os riscos cobertos mediante pagamento do prêmio pelo segurado. E o Art. 476[2] do mesmo diploma trata sobre as obrigações recíprocas para exigência do adimplemento.
Contudo, aos contratos de seguro, uma vez preenchidos os requisitos estabelecidos no Art. 2º e Art. 3º, parágrafos primeiro e segundo, da Lei 8.078/90[3], aplicam-se as normas consumeristas, e a relação contratual deverá ser analisada sob este enfoque.
Diante disso, pergunta-se: a seguradora poderá suspender ou rescindir unilateralmente e automaticamente o contrato de seguro, em decorrência de inadimplemento de parcela do prêmio pelo o Segurado? Resposta: Não.
Isso porque, não obstante os artigos supracitados, prevalece o entendimento de que, diante das normas que regem as relações de consumo, o cancelamento da apólice de seguro por inadimplemento não pode se dar de forma unilateral e automática.
Em consonância, traz-se à baila o teor do Art. 51, inciso IV e XI, do Código de Defesa do Consumidor:
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
[…]
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;”
Com efeito, existindo cláusula contratual com previsão de cancelamento automático por falta de pagamento, impõe-se a nulidade, por evidente abusividade e ilegalidade. Isso ocorre, porque coloca o consumidor em desvantagem excessiva, frente aos benefícios auferidos pela seguradora – possibilidade de cancelamento unilateral.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado 616[4] de Súmula, que dita o seguinte:
“A indenização securitária é devida quando ausente a comunicação prévia do segurado acerca do atraso no pagamento do prêmio, por constituir requisito essencial para a suspensão ou resolução do contrato de seguro.”
Assim, vislumbra-se ser imprescindível prévia notificação ou interpelação formal do segurado para, querendo, purgar a mora antes do cancelamento. Portanto, o entendimento sumulado não proíbe a rescisão ou suspensão do contrato, desde que não seja unilateral e automática, por violar a Legislação consumerista.
[1] Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados.
[2] Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro.
[3] Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”
“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
- 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
- 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
[4] STJ, 2ª seção. Aprovada em 23/05/2018, DJe em 28/05/2018.